São seis horas da manhã e meu celular toca.
É um manhã de sábado chuvosa, ainda está escuro. Dentro e fora de mim.
Há três meses espero por este momento.
É você quem me liga.
Então você imita a chuva e desagua.
Você diz que me ama; diz que não sabe como sobreviveu esse tempo todo sem mim; diz que sente falta dos meus olhos em você; diz que ainda estremece quando lembra do calor que as pontas dos meus dedos têm.
E vai dizendo tudo, todo o texto que eu ensaiei para você. Todas as letras e todas as escalas, os meandros, os subtextos. Você acerta até as pausas, os silêncios todos, as pontuações.
Você passa exatos 21 minutos se desculpando e me pedindo pra voltar.
Voltar?
Não.
Você me pede para eu ir.
Para ir até você pela primeira vez.
A chuva pára no 22° minuto.
Esqueço da minha parte do texto.
Aí eu digo para você que só preciso de 10 minutos para chegar até a sua casa.
Você me diz que é muito.
Você diz que vai me encontrar na metade do caminho.
Cinco minutos é o máximo que você deseja esperar por mim.
O dia já brilha lá fora. Fora e dentro de mim.
Não há mais sinal daquela chuva.
Aí eu desligo o telefone, lavo o rosto, coloco um boné e saio.
O elevador leva uma eternidade para chegar ao térreo. Estou com o coração na boca.
Eu saio quase correndo.
Vou passando as esquinas como quem passa as páginas de um livro. Vou deixando os caminhos e as histórias para trás. Estou indo atrás das novas páginas em branco.
Mas aí, pouco antes do Largo do Machado, meu coração pára. Eu caio.
E a última imagem que vejo é você. Quase perto, quase longe. Como sempre esteve.
Aí eu morro.
É, mais uma vez eu não vou ser seu.
Dessa vez definitivamente.
(Rio de Janeiro, Fevereiro/2009
Mais um fragmento da série "as coisas que escrevi e que não podiam ser ditas". Me sinto aliviado em dizê-las agora.)