1 de jun. de 2006

Asas

Se conseguisse tirar os pés do chão para alçar vôo naquele momento talvez realmente nem precisasse das asas. Mas elas estavam ali, nas minhas costas, e a janela aberta me convidava a batê-las.

Quando ganhava o céu, de vez em quando, sentia náuseas. Mas sabia que não a sensação não passava de uma insegurança de não estar preso a nada, nem a mim. E era isso que me fascinava no vôo, estar livre até de tentar entender o porquê.

Se chovia então era melhor: um pingo sempre pode parecer uma lágrima, e uma lagrima, se minha, era também chuva. Se raios então o fizessem, era luz e se luz fosse a asa, dia. E já nem lembrava das pernas, essas malditas raízes que me fincavam na terra.

Se nublado, soprava as nuvens e desenhava com elas, sem aquarela ou pincel, só as dispondo ao sabor das asas pra ver alguém lá de baixo apontando e vendo elefante onde era gato.

Se manhã acompanhava o sol de mãos dadas e colocava-o no pino do meio dia, mas depois o levava para um mergulho no mar, quando era vez da lua.

Se fosse sol, fazia sombra, mas se eu fosse então a sombra, refresco.

E se cheia fosse a lua, podia fazê-la crescente, ou minguante, dependendo de onde eu fizesse a sombra, mas agora sem o refresco.

Se verão, era brisa; se inverno seco; se outono companheiro; se primavera cor.

Voava por horas, por dias, por anos, embora enquanto no ar não conseguisse entender de tempo. Na verdade entendia só de nunca, mas o nunca parecia muito longe pra entrar nessa história.

Se fosse cidade, voava baixo; se estado, médio; se fosse país, muito alto e tudo o que via eram pontos/pessoas que eram em suma o que a visão torta veria ainda que de perto: apenas pontos,pontos, pontos. Com raízes.

Mas o que mais gostava era do arco-íris. As cores a todo momento mudavam, ou será que meus olhos é que as viam diferentes sempre? Se via-o perto, era muito longe, mas se nem o percebesse poderia estar dentro dele.

De tanta prática já conseguia voar de olhos fechados e ainda assim via muito, porque muito do que enxergava era puro sentimento. Mas se os olhos estivessem então abertos, então era sentimento, e puro.

Voava cada vez mais, descobria cada vez mais, sentia cada vez mais. Cheguei a ponto de ouvir com os olhos, ver com ouvidos, sentir com alma.

Não me importava com a descrença dos outros no meu vôo pois só os que tinham os olhos presos na terra não poderiam ver a beleza do que se esconde atrás do ar. Com o tempo parei de contar minhas aventuras porque quanto mais contava, menos voava.

E como meus pés já não me prendiam mais, passaram e prender minhas mãos também.

Conheci em uma de minhas viagens um homem-pássaro, que como eu, vivia preso numa gaiola mas conseguiu fugir. Mas ele não sobreviveu muito, coitado. Era simples no que via, primário no que sentia e mesmo com asas nunca ia muito

longe.

Mas eu não era nem pássaro, nem avião, nem folha seca, nem ar.

Quando tinha asas era tudo de tanto ser nada.

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