(Foto: Antonio Duarte, site http://olhares.aeiou.pt/foto170982.html)
E quem é que consegue não escrever sobre coisas óbvias?
Quem é que consegue ligar o computador ou abrir o diário, tanto faz, e começar com uma idéia nova, absolutamente original, moderna, cheia de personalidade e sem nenhuma referência? Ninguém.
Por que as coisas todas já estão escritas. Algumas nas linhas, outras tantas nas entrelinhas.
Amor, dor, saudade, o filho perdido, a mão abusada, o aperto no peito, a falta de dinheiro, a pobreza, tão falada pobreza.
Muitos escritores numa época em que pouco há de ser dito, porque muito ainda não se sabe, não a ponto de virar poesia, conto, crônica, ensaio. E o que ainda não se sabe acaba ficando pra depois porque não se pode perder tempo achando, supondo, arriscando. O mundo é veloz, amigo, muito mais do que supunha aquela velha vã filosofia.
Pra recado, torpedo; pra pagamento débito automático; pro banco, Internet; para o restaurante, entrega a domicilio em 45 minutos ou o seu dinheiro de volta; para o macarrão, miojo; para a lasanha, congelada da sadia; para a foto, digital; para mostrar aos amigos, email; para marcar encontro, email; para pedir desculpas, email.
Os escritores, estes hoje em dia têm blogs.
Os músicos lançam novas versões de músicas pela Internet.
Tudo óbvio, rápido. Tudo acaba antes de começar, e se consegue começar, começa querendo acabar. Tudo pode ser dito com no máximo cinco palavras, “vai procurar isso no google” é a maior frase que conheço.
E porque então eu, mero desbravador metropolitano, deveria ter a pretensão de querer ter um escrito, um único que fosse, absolutamente original? Absolutamente indispensável? Absurdamente veloz?
Nada mais óbvio que escrever sobre óbvio.
Nada mais devagar e ultrapassado que escrever sobre escrever.
Eu mesmo, pra revisar este texto, mantenho apenas duas linhas:
“E quem é que consegue não escrever sobre coisas óbvias?
Nada mais óbvio que escrever sobre o óbvio.”
E pronto.
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