4 de jul. de 2009

Eu, Clarice e o Menino Mudo dos Cachos

Porque eu escrevo se você não vai ler?
Porque sigo vomitando esses escritos tolos e pobres de significado se não sou mais que uma sequência alfa-numérica de quatro dígitos apenas?
Sou uma combinação numérica e um nome que nem é meu.

Começo assumindo uma fraqueza, a primeira delas: tenho medo escrever. Um medo absurdo de escrever sobre você.
Medo de mexer com aquelas coisas engavetadas, aquelas coisas que mínguam na superfície e mergulham suas raízes grossas aonde eu mesmo não sei chegar.
E muito menos sair.

Mas eu escrevo assim mesmo por que escrevo pra responder alguma coisa que pergunta.
E escrever pra você é mais ainda. É procurar sentir até a última gota do que permanece vago e assustador.
É como se o papel fizesse de conta que é você e então há um diálogo.
E o papel, como você, mudo e duro, aceita os escritos todos e diferente de você vai oferecendo a própria pele pra servir de tela, aí a coisa toda vêm à tona, machuca primeiro, rasga a terra e brota e floresce.

Não, escrever não vai alterar nada.
Mas porque você insiste em achar que eu quero alterar alguma coisa? Você não precisa dizer mais nada.
Você já fez as perguntas.
Eu é que estive atrás das respostas. Escrevo porque preciso desabrochar de uma forma ou de outra.

Você.
Engraçado como essa palavra cabe em tantas outras e triste como você a cerrou em significados.
Você pra mim é essa dor pontiaguda de te olhar todos os dias e não ver nada.
Você pra mim é só um não saber conjugar qualquer verbo porque você mora no presente.
E pra não desaguar é que desabrocho.
E pra não errar o tempo verbal é que escrevo.
Fui, quis, sofri, sonhei. Eu sou passado.
A escrita é o futuro. E o futuro não comporta nós dois, nós três, você.

E nesse mundo que crio quando escrevo, nesse mundo você é outro do que é agora. Nesse mundo você é o que deveria, o que verdadeiramente deseja, você é sem pedir licença ou desculpa a quem se ofende. Nesse mundo você é o menino dos cabelos cacheados, soltos e rebeldes, que sorri alto e que não emudece mesmo quando entristece.
Nesse mundo aqui você é livre, você pode voar e pode desprender essas suas asas, cortar essas raízes e criar uma existência que é só sua.
Porque você é grande, mas não entendeu minhas perguntas.
Está buscando as respostas, mas nem sabe as perguntas!
Então eu te digo: não há respostas.
Só há perguntas.

Quer saber?
Vamos arriscar tudo?
Quem é você sem o outro?



(Esse texto foi escrito em Dezembro/2008 e agora pode ser postado. Ele é um recorte de impressões minhas e trechos da Clarice Lispector. Hoje, julho/2009, o menino não é mais mudo, mas ainda não tem cara!)



Um comentário:

Jaya Magalhães disse...

Eu me confundi demais, Tony. Fiquei tentando adivinhar e nomear as emoções, mas desisti. Vi que não cabe definir poesia.

Foi o que vi: poesia.

Beijo, sumido.