28 de mar. de 2007

ElaXEle

Ela e o Silêncio

Bato a porta do táxi com força e aperto o botão da portaria. Ouço passos na calçada e tenho medo, mas logo vem o clique do portão abrindo e entro depressa. Digo boa noite ao porteiro quase mecanicamente. Já é tarde e só penso em estar com ele.

Quando o elevador fecha a porta vejo que já é meia-noite.

Penso nele novamente e o elevador pára. A porta se abre e sinto o coração bater forte. Ando em direção à porta ansiosa, quanto mais chego perto dela mais rápido ando.

Abro minha bolsa e procuro minhas chaves: porque será que nunca sei onde elas estão? Quase levo a mão à campainha mas acabo achando a chave bem lá no fundo. Imagino que ele já saiba que estou à porta.

Lá dentro há um silêncio profundo, como sempre.

Ele sempre está assim, e eu sou capaz de entender todos os seus silêncios.

Jogo minha bolsa pelo chão, estou realmente cansada hoje. Vou a geladeira, faço bastante barulho pra ele perceber que cheguei. Mexo em qualquer coisa, bebo água.

Depois de um breve silêncio abro meu zíper devagar e sei que agora ele deve estar sorrindo, ele adora esse momento.

Vou andando cambaleante para o banheiro pensando numa ducha bem quente. Entro, tiro a roupa, mas não fecho a porta pensando em ser surpreendida. Deixo a água cair, me esfrego, tudo num ritmo bem constante pra que ele me perceba. Mas ele não aparece, então acabo logo e fecho o chuveiro. Ao mesmo tempo ouço ele virar-se na cama, em uníssono.

Enxugo-me, pego a escova e fico penteando os cabelos por alguns segundos. Depois passo um hidratante no rosto e como não faço barulho, me divirto percebendo que ele deve estar pensando o que faço nesse momento porque há um silêncio tenso.

Enrolo-me na toalha, apago a luz e vou andando para o quarto.

Sinto meu peito ofegar.

Ao entrar o vejo de olhos fechados, mas sei que está acordado. Jogo a toalha no chão e espero por dois segundos que ele abra os olhos. Mas ele não o faz.

Vou ao guarda-roupa, abro, pego um pijama vermelho de seda, visto e sento na cama, ao seu lado. Ele continua imóvel, mas no seu silêncio já ouço sua respiração ofegante. Pego o controle da TV e fico trocando de canal, acho que esse é o maior sinal de que estou pronta. Desisto. Desligo a TV.

Então me deito devagar. Pego meu travesseiro, bato, viro, amasso pra que fique do jeito que eu gosto e pra que ele entenda que não estou tão cansada assim.

Finjo perder o equilíbrio e esbarro nele, que quase fala algo. Mas desiste, nosso jogo é assim, não há como mudar.

Apago o abajur, chego pra bem perto dele, sinto seu cheiro e faço um carinho em seus cabelos. Ele se entrega. Colo a boca no seu ouvido e falo um monte de coisas sem nexo, de amor, de desejo, e ele sorri, mas não abre os olhos, mas arrepia.

A cama range de novo e agora num ritmo constante.

É assim quase sempre.

Toda vez que chego conforto-me no silêncio dele enquanto eu, barulho a barulho, vou me entregando.

Porque o amo com meus ruídos e no seu silêncio.

Ele e os Barulhos

O ponteiro dos segundos vai passando e ouço os barulhos soando numa contagem regressiva. É silêncio profundo. É escuro também, e profundo, não vejo absolutamente nada.

Escuto o estalo que escapa dos ponteiros do relógio quando eles se juntam, à meia-noite.

Pontualmente surge o barulho do elevador.

Ela está subindo.

Continuo no escuro, mas pelos ruídos dela sou capaz de entender tudo, até sua intenções mais secretas.

Meu coração agora bate tão forte que posso ouví-lo.

O elevador pára e as portas se abrem. Passo a passo ela vem chegando e pelo barulho agudo que seus pés causam percebo que ela usa suas sandálias de salto alto pretas que deixam seus pés magníficos. Seus passos são descompassados como se tivessem pressa e sinto sua excitação pela pressão que imprime ao chão, que aumenta disfarçadamente quando chega à porta.

Ela pára um instante e meu peito se enche. Ruídos dela mexendo na bolsa: por que será que nunca sabe onde está sua chave? Por um momento já espero a campainha tocar, mas ela vai abrindo a porta devagar e silenciosamente, imaginando que já durmo.

Ouço sua bolsa cair pelo chão da sala seguido de um longo suspiro de cansaço. Abre a geladeira, mexe em algo, pega um copo e bebe alguma coisa em grandes goles.

Barulho de zíper abrindo.

Sorrio.

Seus passos agora são descompassados de cansaço e ela vai se arrastando pelo corredor até o banheiro, mas não fecha a porta. Vai tomar um banho rápido, eu sei. Chuveiro, água caindo, pele sendo massageada. Tudo é quase musical. Eu fecho os olhos já sabendo onde tudo isso vai dar. Mas ela ainda nem me procurou e por isso sou eu quem suspira agora. Eu me viro na cama e ela range. Ao mesmo tempo ela fecha o chuveiro, em uníssono.

Enxuga-se, penteia o cabelo. Provavelmente por alguns segundos está passando algum creme no rosto, porque ela sempre faz isso e porque há um silêncio tenso.

O interruptor elétrico clica, a luz apaga, ela vem vindo para o quarto.

Congelo.

Entra, joga a toalha no chão, abre o guarda-roupa e veste algo. Eu continuo de olhos fechados. Senta na cama, dá mais uma penteada no cabelo. Pega o controle, passa os canais e desisti em seguida. Desliga a TV

Então se deita. Ajeita o travesseiro, bate, vira, amassa, talvez já ensaiando pra mais tarde. Insinua-se pra cima de mim fingindo perder o equilíbrio.

Apaga o abajur. Com a mão ela ensaia um carinho tímido no meu cabelo. Respira fundo e sussurra meia dúzia de palavras sem sentido no meu ouvido, que arrepia primeiro, pra depois todo o corpo.

A cama range de novo e agora num ritmo constante.

É assim todo dia, ou quase todos. Reconheço todos os seus sons e devolvo o meu silêncio, por que assim, não sei porquê, posso senti-la por completo. E a cada dia decoro essa cena pra que tudo seja perfeito sempre, e é.

Porque a amo no meu silêncio e nos seus ruídos.

Uma emergente em apuros!

Fazia um lindo dia quando Chapeuzinho Vermelho Torres de Barros despertou. Pássaros cantavam em sua janela enquanto seus olhos abriam e ao bocejar pôde sentir o cheiro de café fresco. Levantou, olhou-se no espelho e pensou que já era hora de retocar a tinta ruiva de seus cabelos; em seguida pintou seus olhos de azul – ela nunca saía do quarto sem antes estar devidamente maquiada. Ligou o rádio e vibrou mexendo os quadris ao som de Rick Martin cantando Maria.

- Hoje vai ser um dia e tanto! Disse pra si mesma e sorriu.

Mas quando se sentou à mesa com sua mãe, Maria Augusta Torres de Barros, viu que nem tudo eram flores: ela teria que ir à casa de sua avó para lhe entregar uma cesta de trufas irlandesas trazidas de sua última viagem àquele país. Relutou a principio, mas logo cedeu quando lembrou que vovó Marieta Janaína de Barros morava no mesmo condomínio que Jorge Frederico Augusto, seu mais novo alvo. E resolveu caprichar no rímel aquele dia...

Depois dos cabelos presos num coque banana foi direto à garagem pegar sua Mercedes conversível vermelha. Ao passar pelo espelho do hall de saída percebeu como estava elegante com sua nova echarpe Dolce e Gabana. Vermelha, era óbvio, sua cor favorita.

Antes de arrancar deu, aos seguranças, as coordenadas de onde ia, como de praxe:

- Estou indo à casa de vovó levar-lhe umas trufas, voltarei em algumas horas – anunciou.

Ela nem percebeu, mas um homem num carro parado à sua frente a observava e pôde ouvi-la dizendo aonde ia. Sem saber do perigo que corria ligou o rádio e cantou os pneus.

A casa de vovó ficava num bairro distante, e o caminho era rodeado de árvores de eucalipto, o que fazia com que Chapeuzinho Vermelho Torres de Barros se sentisse uma verdadeira atriz americana com todo aquele “ventinho cheiroso” nos cabelos, era como ela mesma dizia.

Um Opala preto, ano 65 (em péssimo estado de conservação, diga-se de passagem) a seguia com certa distância. E no volante o mesmo cara que a observava minutos atrás. O que ela não sabia é que há dias esse homem a seguia, esperando o momento exato de abordá-la. Ele era um bandido perigoso, alcunha Lobo Mau, e tendo saído da prisão há pouco, estava prestes a realizar mais um seqüestro relâmpago. O alvo? Ninguém melhor que Chapeuzinho, filha de uma das emergentes mais conhecidas da Barra da Tijuca.

Então Lobo Mau pensou mais rápido e resolveu cortar caminho por dentro de uma favela (ele conhecia bem aquele local!) para que pudesse chegar antes à casa de vovó Marieta. Sabia que ela já era uma senhora em idade avançada que não tinha seguranças e não seria difícil dominá-la para poder realizar toda a operação de dentro da casa, o que lhe pareceu mais seguro.

Naquele mesmo momento Chapeuzinho teve uma brilhante idéia: ligar pra uma amiga que morava no prédio e marcar um encontro casual com Jorge Frederico Augusto.

- Andressa amiga, preciso de um favor seu! Tipo assim, tô indo pra casa da vovó e pensei numa parada assim, tipo encontro casual com o Jorginho, será que ele vai sacar???

- Lógico que não amiga! Tipo assim, me dá alguns minutos que eu ajeito a parada pra você...

- Ai, brigada amiga.... Você é tudo!!!

E assim estava feito. Nada melhor que ter amigos, pensou. E aumentou o rádio.

Lobo Mau passou desapercebido pela portaria disfarçado de entregador de tapete persa. Subiu ao 308 e tocou a campainha. Quando vovó Marieta abriu a porta não pôde nem ver a cara do sujeito. Com toda prática que tinha, ele enrolou a velha no tapete enquanto ela gritava desesperada:

- Tire-me já de dentro dessa imitação vagabunda de tapete persa, eu não quero comprar essa porcaria seu vendedor de meia tigela!

- Quietinha aí velha dos infernos, fica na tua que a parada aqui é séria. Eu não tô vendendo nada, meu negócio é com sua netinha Chapeuzinho – dizia ele entre dentes, com medo de alguém ouvir.

Mas não convenceu Dona Marieta, que continuava a gritar que não compraria o tapete. Devia ser a cabeça que já não funcionava bem do alto de seus 95 anos...O meliante então amordaçou a senhora para que ela parasse de gritar. Escondeu-a dentro do closet da suíte principal do apartamento e reparou que somente a sala devia ser maior que seu barraco todo. Então vestiu o hobby de seda da velha, colocou um turbante (toda senhora mãe de emergente tem um, que usa pra esconder as falhas capilares causadas pelo excesso de laquê), encheu a cara de pó-de-arroz e deitou-se na cama para esperar o momento exato de executar seu plano.

Eis que a rubra menina chega ao prédio. Quando entra no apartamento da avó sente um estranho cheiro de perfume barato e ensaia como dizer a Dona Marieta que ela deve trocar de fragrância. Mas logo esquece quando chega ao quarto e dá de cara com uma figura quase horripilante deitada na cama.

- Vovó?!?

- Sim minha netinha querida!!!

- O que houve com a senhora? Parece uma múmia com tanto pó-de-arroz? Já não ensinei a senhora que existem umas bases ótimas da L’ancome que são super discretas?

- Hein!?! – Fala Lobo Mau com a voz grossa

- Ai, coof, coof, coof, que tosse, coof, coof – disfarça.

- E já não lhe disse que existem uns cristais de gengibre que são ótimos pra essa rouquidão??? - diz Chapeuzinho.

- Não se preocupe querida, estou bem.

- Vim trazer pra senhora essas trufas que trouxe da Irlanda, são divinas!

- Deixe-as aí, em qualquer canto

Ao aproximar-se mais da cama a menina percebe como a suposta vovó tem os olhos saltando das órbitas.

- Vovó, a senhora deve fazer um exame de tireóide, está com os olhos esbugalhados e enormes!!!

- São só pra te ver melhor minha filha!

- E essa boca enorme vovó, a senhora pôs silicone de novo?!?

- Não minha filha, é só o batom que deve estar borrado – diz Lobo Mau tentando parecer natural mas já incomodado com tantas perguntas...

- Vovó, que mãos enormes!!! Deve estar com problemas de circulação, estão muito inchadas!!!

- Não estão não menina, elas são grandes assim para segurarem todos os seus cartões de banco de uma só vez – diz Lobo Mau tirando o hobby e levantando da cama num sobressalto. De dentro do turbante ele saca um 38 que, habilidosamente, fica apontado direto para a cabeça de Chapeuzinho.

- Calma aí moço, eu te dou tudo, mas não me faça mal... Onde está minha vó? O que fez com ela???

- Sua vó fica de refém até que eu pegue todo dinheiro que você tem no banco.

- Toma moço – e abre a carteira tentando esconder seu American Express novinho totalmente sem limite.

- As senhas eu passo pro senhor.

- Não mesmo, você vai comigo – e agarra menina.

- Antes porém vamos passar um demaquilante pra tirar esse excesso de pó porque não combina nada nada com seu tom de pele – diz ela, quase amigável.

- Você ta louca?!? – diz ele – mas concorda quando vê sua figura patética no espelho...

Ao passar pela sala porém o coração de Chapeuzinho dispara. Lá está Jorginho, com uma espingarda enorme na mão, de calças curtas, parecendo um autêntico caçador.

- Largue a moça seu bandido de quinta!

- Ela está com um 38 na cabeça , irmão, vai encarar?

- Vou sim, só não encararia se não soubesse que essa arma é de brinquedo seu patife!

Chapeuzinho nesse momento sente uma mistura de medo com excitação, tudo isso é praticamente igual aos seus sonhos mais secretos: o mocinho salvando a donzela indefesa das mãos do elemento periculoso...

- Largue agora antes que eu atire em você – diz Jorginho se precipitando.

- Calma aí irmão, calma aí - e vai baixando a arma.

Então Chapeuzinho corre para os braços do herói e antes de tudo pergunta o porquê dele estar vestido assim e com uma arma daquelas.

- Estou chegando da aula de caça, e também faço aulas de tiro ao alvo, por isso conheço bem um 38 e percebi na hora que se tratava de um brinquedo de criança...

- Não me mate, por favor – dizia Lobo Mau

- Onde está Dona Marieta, diga agora!

- Está no guarda-roupa, dentro do tapete!!!

Chapeuzinho corre no quarto e desenrola sua vó e a salva. A velha senhora, agora mais calma confessa a neta:

- Sabe que olhando bem até que esse tapete até parece verdadeiro? Quanto custa hein moço?!? - Insiste ela.

- Fica quieta vovó, fica quieta... – diz a menina.

E Chapeuzinho se entrega aos braços do amado e eles são felizes para sempre.*

FIM

* Na verdade o para sempre é só até a nova lista dos “solteiros mais cobiçados do país” sair na coluna diária de Hildegard Angel, por que, afinal, de que adianta ter um amor e não sair ao menos uma vez por mês nas colunas sociais?!?

João Da Silva, o Lobo Mau, foi preso e condenado a 6 anos de prisão, mas fugiu há duas semanas, na última rebelião de presos do presídio Ari Franco. Chapeuzinho agora passa a maior parte do tempo em Miami, onde pode usar suas jóias sem medo.


Os intelectuais vão à praia

O mundo poderia até estar na mesma.
Os aviões demoram a decolar. Trânsito até no céu.
Minha escrita, pontual.
Meu astral, volúvel.
A criação quando muita, histérica, quando pouca mais histérica ainda.
Calor no Rio de Janeiro.
Vontade de praia.

Mas lá longe, no oceano das águas mornas, os intelectuais vão à praia.
A capa da arrogância, aquela velha amiga, ficou em casa, ou está apoiada na cadeira.
E aí eles descrevem sentimentos, se descrevem, vão, vem, retraem, expandem, imitam o movimento do mar.

O mundo poderia até estar na mesma. Mas quando os intelectuais vão a praia, tem arco-íris no céu. Por que suas idéias chocam-se com o vento e evaporam com a água.
E depois que o sol se põe, na praia dos intelectuais, chove. Todo dia.

20 de mar. de 2007

Intelectuais

Estou cercado de intelectuais - pelo menos assim auto intitulam-se.

Eles sempre estão cheios de sins e nãos a respeito de qualquer coisa que ouçam.
Criticam a TV, os EUA, o BBB, o capitalismo! São tiranos e vaidosos, mas se dizem fortes, abertos a trocas, humildes.

Mas eu sei que quando chega a noite e eles estão em casa, vêem a novela da oito, torcem pela eliminação do Caubói, julgam a Susana Vieira, lêem livros de piadas tolas, sentem-se ameaçados por coisas que não conhecem (de fato), invejam a roupa da Fátima Bernardes, vivem.

No dia seguinte, a capa da arrogância volta a cobrir seus corpos, a desfigurar seus rostos. No dia seguinte, os intelectuais voltam a ocupar os primeiros lugares, voltam a apontar seus dedos na direção dos que julgam mais fracos.
E continuam sem perceber o quanto são tolos.

15 de mar. de 2007

Ana e Carlos - fragmento do conto "História (talvez) de amor".

Ana era de Touro e Carlos de Áries.
Ela lia o horóscopo aos domingos, mas lia todos os signos, para escolher o melhor para ela naquele dia. Ele nem lia. E imagino que você, agora, tenta lembrar se essa combinação astrológica é boa. Então já te adianto:
“Uma relação delicada, onde o Touro ensina o Áries a louvar seus dons e talentos e a usar de maneira mais concreta e objetiva sua grande energia criadora. Pode ser que a busca de estabilidade do Touro seja traduzida como lentidão para o Áries. Em compensação, a sensualidade de ambos pode ser um ponto alto da relação. Áries ensina o Touro a se aventurar mais, ao mesmo tempo em que sofistica os gostos do parceiro.”

No futuro, que atingiremos tão logo você consiga deixar de lado essa tristeza de descobrir a existência de um amor anti-romântico, você descobrirá que Carlos não tem energia criadora nenhuma e que Ana, instável, tem espírito totalmente aventureiro enquanto Carlos, de sofisticado, só tem uma camisa Gucci, dada por Ana. E o pior, vai descobrir também que quem escreveu o texto sobre a conjunção astrológica foi Carlos, desempregado.

De volta ao primeiro encontro e depois das batatas fritas, o sol já acabava lá fora. O telefone dele não tocou, o dela mais duas vezes. Talvez ele tenha olhado para ela de uma forma diferente quando a segunda ligação terminou e ele pode ouvir ela dizendo “quem sabe” antes de desligar. E você, já sei, suspirou. Mas Carlos não, ainda não.

- Eu tinha que jantar com meus pais mas, sinceramente, vontade zero...
- E eu então! Ver carro novo do irmão no final de um domingo é um programão!
- O pior é que sempre rola aquele papo de “você tá namorando, meu filho”? Sabe que meu pai já até desconfiou que eu era gay? Tudo porque achou uma calcinha no meu sofá! Desistiu da idéia quando viu a Flávia Alessandra nua na gaveta do banheiro...
- Minha mãe também! Vive dizendo que minhas amigas todas casaram, menos eu. Depois tenta consertar dizendo que tem uma filha moderna, que prefere a estabilidade profissional a se encostar num homem qualquer.
- E você é mesmo assim?
- E você é mesmo gay?

(...)

13 de mar. de 2007

Vestido branco


Eu pretendia ir àquela festa vestida para matar.
Não sabia ao certo porque. Talvez fosse por causa daquele fulaninho que havia me dado um fora há alguns dias, ou talvez por saber que daria de cara com minha atual arquiinimiga. Ou ainda pelos dois motivos.
Acordei cedo, e comecei por uma massagem relaxante. Depois salão: unhas, cabelo,depilação, tudo.
Agora era escolher um vestido fabuloso. Horas de shopping e ele estava lá, na vitrine e tenho certeza que vi meu nome escrito na etiqueta (provavelmente ele estava por cima do preço, que só reparei quando cheguei em casa!). Ele era branco, à altura dos joelhos, com uma rosa presa na alça esquerda. Valorizava o busto e as pernas, e eu nem precisei pensar muito.
Agora só faltavam as sandálias e a bolsa, porque tudo precisava ser novo, já que eu continuava cheia de idéias velhas.E foi mais fácil. Também brancas elas eram altíssimas e amarradas nas pernas. A bolsa era pequena, com detalhes em prata – Gucci, sem maiores detalhes. Não me atrevo a comentar o preço porque eu mesma fiz questão de ainda não fazer a conta.
Fui para casa, usei máscaras geladas para os olhos, descansei por algumas horas e as sete em ponto estava pronta.
Estonteante.
Uma maquiagem sóbria, os cabelos presos num rabo displicente e os lábios bem coloridos de rosa. Rímel, sombra, mais rímel e estava impecável.
Então uma chuva torrencial começou a cair.
Tive vontade de chorar, minha produção era toda alva, e isso não combinava com aquela água que estava carregando junto toda minha empolgação.
Alguns telefonemas depois soube que a festa seria num lugar fechado e pude sentir meus olhos brilhando de novo.
Decidi ir de táxi porque queria tomar alguns drinques. Entraria no carro, desceria na porta do local, entraria e pronto. Passaria no máximo trinta segundos exposta aquele dilúvio. Nada poderia acontecer.
Desci e acenei para o primeiro amarelo que vi e ele parou. Carregava uma imensa sombrinha que, sinceramente, dava um certo glamour a meu novo vestido.
Mas fui traída pela altura dos saltos. Antes de entrar no carro, algum buraco (que tenho certeza que estava ali de propósito!) me fez perder o equilíbrio e pronto. Não foram necessários trinta segundos, mas apenas três para que eu me esborrachasse no chão. E de branco meu vestido ficou marrom, minhas sandálias correram junto com a correnteza e minha maquiagem escorreu junto com qualquer possibilidade de sucesso.
Voltei arrasada pra casa.
Não sei porque, mas depois um estranho ânimo tomou conta de mim apesar da lama que ainda estava nas minhas pernas
Vesti um jeans qualquer, um scarpin preto, uma camiseta moderna. Refiz a maquiagem, abusei ainda mais do rímel, escolhi uma bolsa e fui.
Quando cheguei na festa senti-me feliz. As pessoas me perguntavam o porquê de eu estar tão radiante, eu mesma ainda não sabia. O tal fulaninho não tirava os olhos de mim, e ensaiou duas vezes uma cantada tão barata que tratei logo de cortar.
E quando achei que nada poderia ser melhor, eis que dou de cara com minha arquiinimiga, que usava, pasmem, o mesmo vestido que há algumas horas atrás me fizera sentir única. É fato que o vestido não lhe caíra nada mal (porque verdade seja dita, ela era belíssima...), mas ela estava apagada, sem graça, sem nada.
E de dentro do meu jeans eu me senti soberana naquela noite.
Agradeci à chuva.