19 de jul. de 2009

De quando eu não consegui chegar até você...

São seis horas da manhã e meu celular toca.
É um manhã de sábado chuvosa, ainda está escuro. Dentro e fora de mim.
Há três meses espero por este momento.
É você quem me liga.

Então você imita a chuva e desagua.
Você diz que me ama; diz que não sabe como sobreviveu esse tempo todo sem mim; diz que sente falta dos meus olhos em você; diz que ainda estremece quando lembra do calor que as pontas dos meus dedos têm.
E vai dizendo tudo, todo o texto que eu ensaiei para você. Todas as letras e todas as escalas, os meandros, os subtextos. Você acerta até as pausas, os silêncios todos, as pontuações.
Você passa exatos 21 minutos se desculpando e me pedindo pra voltar.
Voltar?
Não.
Você me pede para eu ir.
Para ir até você pela primeira vez.

A chuva pára no 22° minuto.
Esqueço da minha parte do texto.
Aí eu digo para você que só preciso de 10 minutos para chegar até a sua casa.
Você me diz que é muito.
Você diz que vai me encontrar na metade do caminho.
Cinco minutos é o máximo que você deseja esperar por mim.
O dia já brilha lá fora. Fora e dentro de mim.
Não há mais sinal daquela chuva.

Aí eu desligo o telefone, lavo o rosto, coloco um boné e saio.
O elevador leva uma eternidade para chegar ao térreo. Estou com o coração na boca.
Eu saio quase correndo.
Vou passando as esquinas como quem passa as páginas de um livro. Vou deixando os caminhos e as histórias para trás. Estou indo atrás das novas páginas em branco.
Mas aí, pouco antes do Largo do Machado, meu coração pára. Eu caio.
E a última imagem que vejo é você. Quase perto, quase longe. Como sempre esteve.
Aí eu morro.

É, mais uma vez eu não vou ser seu.
Dessa vez definitivamente.


(Rio de Janeiro, Fevereiro/2009
Mais um fragmento da série "as coisas que escrevi e que não podiam ser ditas". Me sinto aliviado em dizê-las agora.)

2 comentários:

J.Machado disse...

Caro Toni,
sim, sim, mesmo em silencio acompanho os velhos amigos.
Agora, também em silêncio, senti a angústia do seu personagem, mesmo que não tenha sido isso que sentira.
Mas pq? Pq morreu?
Meu caro, de verdade, não entendo pq insistem em matar as borboletas...ou elas são suicidas mesmo.
Eu e minhas borboletas...não esqueço.
Só pra alegrar mesmo.
Abração!

Unknown disse...

Meu cumplice.
Entendi, e como! o ocorrido com você.também não tive tempo de finalmente dizer palavras presas por tanto tempo na garganta. só que o inverso aconteceu. ele morreu e eu sigo so vagando... buscando..
Valéria